“Enquanto uma pessoa com autismo tem certas dificuldades com alguns aspectos, ela desenvolve habilidades magníficas em outros, cabe a você conseguir identificar isso e potencializar”, explica o microbiologista Alessandro Conrado Oliveira Silveira, de 46 anos.
A suspeita de que seu filho Victor Hugo, hoje com 19 anos, era portador de autismo aconteceu em 2006, mas o diagnóstico que confirmava veio muito tempo depois, já que naquela época não era tão simples identificar o TEA (Transtorno do Espectro do Autismo). Após a confirmação clínica, ele relatou à médica que acompanha seu caso o descontentamento ao saber que o filho era autista.
Os dados sobre autismo no Brasil ainda são muito limitados. No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que há 70 milhões de pessoas com o transtorno no mundo, sendo 2 milhões apenas no Brasil. Cerca de 1 a cada 88 crianças apresentam traços, tendo predomínio cinco vezes maior em meninos.
“Ele tinha 4 anos, nunca vou esquecer. Entramos no consultório, e a médica perguntou porque estávamos tristes, e respondemos que nosso filho não seria feliz por não fazer coisas básicas como faculdade, casar e ter filhos, mas essa era uma expectativa nossa”, conta o microbiologista. Logo, a médica explicou que o Victor seria sim feliz, mas do jeito dele, e não como os pais esperavam.
A partir daí, iniciava uma jornada de transformações. Alessandro conta que, naquela época, falar e ouvir sobre autismo gerava uma série de estereótipos que precisavam ser combatidos: “A primeira coisa que fazemos é questionar o porquê disso acontecer com a gente, porque estávamos sendo punidos com isso. Demorou um pouco pra ficha cair, pra aceitar, mas depois de um tempo percebemos que não foi uma punição, mas um presente”.
Alessandro enxergou o que seria um problema como uma fonte de informação, que poderia ajudar outras pessoas que enfrentavam a mesma situação. “Lutamos para que os outros não passem pelo mesmo. Hoje podemos transmitir essa informação e ajudar quem precisa, com atitudes simples que melhoram a qualidade de vida de seus filhos”.
Como as bactérias ajudaram
Alessandro sempre trabalhou na área do diagnóstico e tratamento de doenças causadas por bactérias — em muitos momentos elas são inimigas da nossa saúde, e podem causar uma série de doenças. Logo, sua pesquisa e trabalho eram em função de entender as bactérias e, posteriormente, eliminar esses microrganismos. “Além de atuar na parte diagnóstica, sou professor e pesquisador. Em 2010, comecei a ver uma série de publicações científicas sobre como as bactérias que associamos com doenças eram importantes para a saúde”, explica.
“Através de todas as pesquisas realizadas, conseguimos fazer o sequenciamento genético, capaz de ver quais eram as bactérias presentes em doenças. Temos em torno de 1% das bactérias que estão relacionadas a comorbidades, os outros 99% estavam no anonimato e, hoje, estamos conseguindo conhecê-las melhor e ver como são importantes para nossa saúde”.
Os estudos encontrados por ele tiveram um resultado ainda mais profundo: foi possível perceber a relação do desequilíbrio das bactérias intestinais com a manifestação de vários sintomas do autismo. “O intestino tem uma ligação muito estreita com o cérebro, tanto que é considerado o segundo cérebro. Sabemos que quando melhora o intestino de um paciente com autismo, as manifestações também melhoram. Existem uma série de microorganismos que estão relacionados à piora do quadro, e a gente consegue, seja com antibiótico, com a melhora da alimentação, aos poucos, aperfeiçoar a microbiota intestinal e dar mais qualidade de vida a essas pessoas”, argumenta.
Os desafios de mudar o hábito alimentar do filho
Para uma pessoa sem transtornos, mudar os hábitos alimentares já é um desafio. Para uma pessoa com TEA, é ainda mais complicado — já que eles têm uma certa monotonia alimentar, ou seja: querem sempre ingerir as mesmas coisas, segundo Alessandro. “Na maioria das vezes, o que eles desejam comer não são coisas saudáveis. Qualquer mudança de hábito pode ser um gatilho para crises”.
Foi preciso observar qual era a relação que seu filho tinha com os alimentos, e Alessandro notou que as cores e texturas chamavam sua atenção. “Aos poucos e com muita paciência, percebemos que ele gostava de batata frita porque é crocante, e então começamos a colocar vegetais na air fryer para estimular a curiosidade e também a vontade de comer alguns alimentos”, conta.
Lançamento do livro
A experiência com o seu filho e as pesquisas encontradas pelo microbiologista resultaram em um outro passo importante para ajudar as pessoas a entenderem melhor as bactérias: em março de 2021, Alessandro lançou o livro “O lado bom das bactérias – O poder invisível que fortalece sua defesa natural para ter uma vida mais feliz e longeva”, que explica sobre a importância das bactérias para a saúde de maneira geral, passando sobre temas como obesidade, doenças que acarretam a saúde íntima da mulher, e também sobre o autismo e a importância do parto normal nesses casos.
O livro tem uma parceria com a ONG AutismoS, que realiza treinamentos de profissionais que trabalham com crianças e adolescentes portadoras do TEA. A instituição já formou mais de 30 mil pessoas em todo o Brasil através de suas oficinas e todas as atividades são gratuitas — a ONG não possui apoio de instituições públicas ou privadas, e o objetivo de Alessandro é que toda a receita que ele receberia pelo livro será revertida para a ONG.