A importância do olhar feminino para o redesenho das dinâmicas sociais

De alguma maneira, a minha relação com os negócios que ecoam seu propósito -- assumem suas causas e geram valor compartilhado -- resume minha visão sobre o papel das corporações no mundo de hoje.

Por *Monica Gregori, co-fundadora da Cause

Sou caçula e única mulher de uma família de homens. Única filha mulher, única neta mulher. Apesar disso, na minha família, o matriarcado sempre foi o “modelo de gestão”. Uma mulher por geração, mas sempre forte, decidida e realizadora. Minha mãe e minha avó tinham opinião, autoridade e prezavam por sua autonomia. 

O espírito crítico e questionador sempre foi o ingrediente que caracterizava os debates acalorados dos almoços e jantares em família. Escutava atenta e me arriscava a participar com algum palpite, sempre esperando por um espaço e uma aprovação. Mesmo  considerando o quão evoluídos e abertos eram meu pai e meus irmãos, aprendi de pequena o esforço gigantesco que devemos fazer para sermos ouvidas e consideradas. Lembro que naquela época o que eu mais queria era pertencer àquele “clube”.  Hoje eu gostaria de refundá-lo. 

A deriva da vida me levou para uma carreira executiva; trabalhei em empresas grandes, multinacionais, líderes nos seus mercados. Cumpria o sonho de carreira de qualquer profissional de marketing, mas sentia um incômodo constante, até que um dia me dei conta que o problema não era com o mundo corporativo em sí, mas sim com o seu formato – o design estruturante desse mundo tinha o olhar masculino como ponto de partida (e chegada). Um universo desenhado por homens, para homens. E as mulheres que quisessem entrar nesse universo tinham que se adaptar a isso. 

Depois de trabalhar em referências do mundo corporativo internacional, fui trabalhar na Natura. Ali aprendi que era possível fazer negócios em um ambiente corporativo que acolhesse e respeitasse as mulheres com suas potências e suas características. Era possível ter sucesso empresarial, exibindo essa alma feminina, incorporando-a na sua cultura e nas relações com a sociedade. Era possível usar características intrínsecas do feminino como competências de gestão: intuição, sensibilidade, acolhimento e poder de realização. 

Fui promovida grávida de 6 meses e me tornei uma das primeiras diretoras da Natura, o que teve muito significado para mim. Em conjunto com outras mulheres, lideramos uma série de iniciativas sobre o universo do feminino, como a formação de um grupo de estudos  — composto por estudiosas, líderes ambientais, psicólogas –, que editou um paper sobre “O papel cuidador e a Ética do Futuro”. Chegamos, inclusive, a estudar como essa questão do cuidado pode redesenhar toda uma dinâmica na sociedade. No livro “Reengenharia do Tempo”, a autora Rosiska Darcy de Oliveira, uma feminista raiz, nos mostra como se faz  necessária uma redistribuição do tempo social, a partir de uma ótica também feminina. 

Entendo que o olhar feminino agrega muito nesse processo de construção coletiva. Percebo na mulher também a energia do fazer, de ver as coisas serem concluídas. O feminino traz muito isso: a gente não deixa as coisas no meio do caminho, mesmo a mulher lá nos seus papéis configurados, construídos culturalmente ou não, não poderia abandonar as batalhas. Ao meu ver, essas características são fundamentais para quem trabalha com negócios de impacto. É sobre entender os anseios da sociedade, o planeta, compreender que estamos criando projetos de mundo para todo mundo. 

Essa foi a convocação que me fez participar da fundação da Cause. De alguma maneira, a minha relação com os negócios que ecoam seu propósito — assumem suas causas e geram valor compartilhado — resume minha visão sobre o papel das corporações no mundo de hoje. Colocar minha experiência a serviço de outros negócios nessa jornada foi a forma que enxerguei de cumprir meu papel como agente de mudança. 

Acredito no cuidado, nos poderes distribuídos, na intuição assessorando a razão, no olhar sistêmico, na perseverança e no poder de realização. Esse é um convite também aos homens, para que possam acolher e valorizar esse lado que reside dentro deles. Precisamos de um novo equilíbrio, desta energia mais colaborativa. Da gestação coletiva de um mundo mais equitativo e plural. 

8 de Março: devemos comemorar?

Chegamos ao 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, com indicadores alarmantes acerca das populações femininas; e iniciativas de impacto podem ajudar a reduzir efetivamente dados de desigualdade e violência de gênero. 

Obviamente, essa é uma luta que transcende à data, e não adianta apenas estancar a ferida, precisamos promover uma mudança sistêmica. Tudo começa na conscientização. Porque uma coisa é você estar informado sobre uma realidade, outra coisa é você estar consciente. Aí, avançamos para as etapas de sensibilização, engajamento e administração de recursos para caminhar rumo à transformação. Mas ainda tem pouca gente trabalhando de fato na instrumentalização disso.

Contudo, podemos citar, entre outras iniciativas, o trabalho que realizamos com o Instituto Mary Kay, em 2020. Na processo, nos unimos à ONG Justiceiras, da promotora Gabriela Manssur, para viabilizar a criação de: canais de denúncia para mais de 200 mil colaboradoras e revendedoras; assistência socioassistencial, psicológica e jurídica; treinamento sobre o tema e formação das “Justiceiras Mary Kay” — para que as participantes pudessem identificar casos de violência doméstica, inclusive, podendo ajudar amigas e parentes, que passem por esse tipo de situação. Enfim, constatamos que não basta fazer uma campanha, se a mulher não for munida de recursos para mudar aquela realidade.

Também nos voltamos a esse público quando, junto com Veja da RB. Desenvolvemos um estudo profundo para ancorar a causa da valorização do trabalho doméstico, trabalho esse tão escanteado e desvalorizado. É necessário trazer luz para esse debate, criar políticas públicas que deem visibilidade e reconhecimento à importância de um labor tão fundamental para o bem estar de toda a sociedade; um ofício intrinsecamente feminino e historicamente negligenciado. 

Assim como nesses exemplos, reitero que as questões de gênero não vão avançar se os homens forem banidos das discussões. Carecemos de iniciativas educacionais, que os convoquem como aliados para pactuar um novo projeto de sociedade.

*Monica Gregori, especialista em marketing, graduada em Comunicação Social com especialização em Consumer Behavior e Marketing Communication, compõe o time de sócios-fundadores da Cause, ao lado de Leandro Machado e Rodolfo Guttilla.  


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